Entidades representantes dos setores Musical, Audiovisual, Editorial, Jornalístico e de Dramaturgia apresentam uma carta ao Senado Federal em defesa dos direitos dos criadores de conteúdos, artistas e produtores, pedindo a aprovação da PL 2338/2023 que dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial e estabelece como diz em seu art. 1º “normas gerais de caráter nacional para o desenvolvimento, implementação e uso responsável de sistemas de inteligência artificial (IA) no Brasil, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em
benefício da pessoa humana, do regime democrático e do desenvolvimento científico e tecnológico.”
Leia abaixo a carta na íntegra:
“Brasília, 08 de abril de 2024.
Aos Excelentíssimos Senhores Senadores,
As entidades cujas logomarcas constam da presente carta, representantes dos setores Musical,
Audiovisual, Editorial, de Dramaturgia e Jornalístico, bem como entidades de representação de
classe como o Instituto dos Advogados Brasileiros e a Comissão Federal de Direitos Autorais do
Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, vêm apresentar recomendações para que
sejam incluídos no PL 2338/2023, de autoria do Senador Rodrigo Pacheco, com relatoria do
Senador Eduardo Gomes, dispositivos que venham a assegurar os direitos dos criadores e
intérpretes de obras artísticas, obras intelectuais e produções protegidas, a fim de evitar a
subtração dos direitos de toda a classe artística, acadêmica e jornalística.
O PL 2338/2023, apresentado com a finalidade de estabelecer um Marco Civil para Inteligência
Artificial, representa importante iniciativa legislativa e acompanha a preocupação da comunidade
internacional em regulamentar o uso adequado da Inteligência Artificial, especialmente a IA
Generativa, a fim de que sejam mantidos hígidos os direitos de terceiros e a plena transparência
de seu desenvolvimento. O Ato Europeu da IA, aprovado no mês passado, veio com essas
premissas e sua versão original, datada de 2021, inspirou o PL 2338/2023.
Não há dúvida de que a Inteligência Artificial é tema fundamental para o desenvolvimento social
e econômico do país. Trata-se de tecnologia ainda em desenvolvimento, que deverá ser
empregada com segurança, cautela e transparência, mitigando-se tanto quanto possível seus
riscos.
No caso da Inteligência Artificial Generativa, conseguiu-se a técnica de algoritmos que estimulam
o aprendizado de máquina, tornando-os capazes de produzir novos conteúdos a partir da
mineração de informações e dados em larga escala em inúmeras bases já existentes no campo
digital. O treinamento repetido da ferramenta, alimentado por um volume gigantesco de
informações, padrões, linguagens e imagens, permite a disponibilização de novas formas e
informações diferentes das originais, o que, em muitos casos, dificulta a identificação das obras
utilizadas.
Nesse sentido, como forma de preservar a sociedade, é importante garantir a mineração por
meio de bases de dados seguras, imparciais, livres de tendências ideológicas e que sejam
acessadas sem violar direitos de terceiros, incluindo direitos de propriedade intelectual, a fim de
evitar usos indevidos que venham a reproduzir modelos prejudiciais aos legítimos interesses dos
titulares de direitos autorais.
Além do mais, a depender do uso, o prejuízo pode recair sobre a sociedade. Isso porque a
manipulação de produções de conteúdo noticioso, histórico ou jornalístico profissional, por
exemplo, podem ser deturpados para geração de desinformação e notícias falsas, prejudicando
o debate público, reputações e marcas. Outrossim, a apropriação de conteúdos culturais
nacionais por gigantes tecnológicas em suas bases de dados associados aos dados pessoais
dos brasileiros representa grave ameaça de sequestro do patrimônio cultural, sem qualquer
contrapartida aos criadores e ao país.
É do senso comum que o uso de material protegido pelos direitos autorais pressupõe
licenciamento prévio de seus respectivos titulares. Todavia, no caso das ferramentas envolvendo
a IA, em especial a nominada de generativa, as utilizações massivas de obras e produções
protegidas pela propriedade intelectual sem autorização prévia, no processo de mineração de
dados para desenvolvimento da IA, têm sido o usual e o seu principal combustível para geração
de textos, imagens e produções. Trata-se de clara violação dos direitos de propriedade
intelectual, que desvaloriza as obras originais, prejudica autores e titulares e causa enorme perda
para a indústria criativa, sendo imperativo impedir a prevalência desse nocivo cenário.
Nesse sentido, as entidades subscritoras, vem requerer o apoio de Vossas Excelências no sentido de
considerar a plena garantia aos direitos intelectuais, como forma de preservar os direitos de autores e
artistas, responsáveis pela formação da Cultura Nacional e da Comunicação Social.
Diante disso, uma norma justa e protetora dos titulares de direitos autorais deve assegurar a faculdade
exclusiva deles em:
a) Consentir, para assegurar o respeito à Lei de Direitos Autorais e previamente saber quais obras
e produções serão utilizadas no treinamento de IA, inclusive conteúdos jornalísticos.
b) Controlar, para preservar a transparência, a responsabilização e a qualidade das bases de
dados, preservar os direitos morais e compreensão dos resultados.
c) Ser remunerado reconhecendo-se o valor da criação e a necessidade do devido pagamento
aos criadores e aos titulares de direitos autorais.
Portanto, para garantir os direitos de propriedade intelectual, o PL 2338/2023 deve ter clara
previsão para estabelecer que:
a) O uso de obras e produções protegidas para mineração de dados e desenvolvimento de
ferramentas de IA deverá estar submetido à autorização prévia.
b) Os conteúdos gerados por IA não poderão ser assemelhados ou protegidos pelas normas da
propriedade intelectual.
c) Apesar dos setores da indústria criativa não encontrarem espaço para novas exceções e
limitações aos direitos autorais, caso a legislação venha a inserir alguma previsão neste sentido,
as exceções e limitações da mineração de textos e dados e o desenvolvimento de ferramentas
de IA deverão ser restritas e submetidas ao teste dos três passos previsto na lei brasileira e nos
tratados internacionais, que regulam os princípios dos direitos autorais, sempre preservada a
prerrogativa de o titular de direitos autorais autorizar ou proibir o uso de sua obra ou produção.
As exceções nunca deverão ser consideradas ou utilizadas para a mineração de dados ou o
treinamento comercial, e os usos não comerciais só deverão ser permitidos em determinadas
situações estabelecidas por diretrizes claras e jamais admitir prejuízo injustificado aos titulares
de direitos autorais.
d) O treinamento de sistemas de IA e a aplicação dos algoritmos pelos serviços devem ser
transparentes e permitir aos titulares de direitos autorais o controle e o acompanhamento sobre
os modelos de uso de suas obras e produções.
e) É importante que as normas estabeleçam a responsabilidade civil objetiva dos desenvolvedores
de IA como regime aplicável aos danos causados pela tecnologia.
f) O ônus da prova deverá recair sempre sobre os desenvolvedores de IA.
Não há dúvida de que a IA representará uma estratégica ferramenta para o desenvolvimento econômico
e social, mas isso jamais poderá significar a substituição da criação e da centralidade do ser humano
diante das expressões culturais, que representam a verdadeira força da inovação e da criatividade.
Diante das propostas apresentadas, as entidades requerem a inclusão no PL 2338/2023 dos pontos
acima elencados e reiteram sua disponibilidade para contribuir com o debate parlamentar, com a
finalidade de alcançar o adequado texto regulatório.
Aproveitamos o ensejo para renovar nossos protestos de elevada estima e consideração.”
À iniciativa juntaram-se o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), a Comissão Federal de Direitos Autorais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Associação Brasileira de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Direito Autoral (ABDA), o que fortalece ainda mais a mensagem dos setores criativos. A música foi representada por Associação Procure Saber, que reúne artistas da mais alta relevância na cultura nacional, Pro-Música Brasil (Produtores Fonográficos), ABMI (Música Independente), ABRAMUS, UBC e as demais Sociedades de Gestão Coletiva musical diretoras do ECAD que também subscreve o documento, além da UBEM (Editores Musicais). Já o setor editorial literário participa com a ABDR (Direitos Reprográficos), SNEL (Sindicato dos Editores de Livros), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a ABRELIVROS. Do audiovisual, assinam o documento, além da ABERT, o GEDAR (Autores/Roteiristas), INTERARTIS BRASIL (atores e atrizes de TV e Audiovisual/Cinema), DBCA (Diretores de Cinema e Audiovisual) e AUTVIS (Autores Visuais).
Outras adesões à iniciativa são esperadas para os próximos dias, já que o assunto é de interesse de TODO o segmento de produção de conteúdo cultural e jornalístico.